Como profissionais de saúde pública podem superar a hesitação vacinal?

A patient getting a patch on their upper arm

A vacinação contra o papilomavírus humano (HPV) é uma das estratégias mais eficazes para prevenir o câncer do colo do útero em mulheres e outras doenças associadas ao HPV em pessoas de todos os gêneros. Ainda assim, muitas pessoas ao redor do mundo permanecem relutantes em receber a vacina.

Para compreender melhor os motivos dessa hesitação, realizamos uma síntese de evidências qualitativas da Cochrane sobre os fatores que influenciam as percepções e práticas de cuidadores e adolescentes em relação à vacinação contra o HPV.
Nossas descobertas sugerem que, quando as pessoas se posicionam sobre a vacinação contra o HPV, não estão apenas fazendo uma escolha em saúde. Muitas vezes, estão também expressando sua identidade, seus valores pessoais e comunitários e negociam seu lugar na sociedade. Aqui, resumimos os principais achados e destacamos possíveis implicações a considerar.

Conhecimento não é tudo

Costuma-se presumir que, quando as pessoas decidem não se vacinar, isso ocorre principalmente por falta de conhecimento ou informação. No entanto, os achados da nossa revisão sugerem uma relação mais complexa entre o conhecimento sobre a vacinação contra o HPV e sua aceitação. Em vários estudos, pais e adolescentes hesitantes em relação à vacina demonstravam uma compreensão detalhada e sofisticada, enquanto alguns dos que a aceitaram sabiam muito pouco.
Em certos contextos, a própria falta de conhecimento biomédico sobre a vacina funcionava, paradoxalmente, como um forte motivador para recebê-la, por exemplo, quando as pessoas acreditavam que ela prevenia gravidez ou protegia contra HIV/AIDS.

Normas sociais e julgamentos morais importam

Nossa revisão demonstra múltiplos contextos, processos e significados que podem moldar a vacinação contra o HPV. Isso inclui fatores sociais, políticos, econômicos, ideológicos, morais e biológicos.

As percepções e práticas de pais e adolescentes em relação à vacina eram influenciadas por crenças socioculturais mais amplas sobre adolescência, sexualidade, gênero, parentalidade e saúde. Em muitas comunidades, infecções relacionadas ao HPV são associadas a ideias de comportamento sexual considerado "imoral", como a promiscuidade. Esse estigma pode fazer com que a vacina pareça desnecessária ou até mesmo vergonhosa.

As opiniões sobre a vacinação também eram moldadas por dinâmicas complexas de tomada de decisão entre adolescentes e seus cuidadores principais, além dos papéis de gênero presentes nas famílias. As decisões e opiniões de familiares ampliados, amigos e membros da comunidade frequentemente impactavam essas escolhas, reforçando ou enfraquecendo a disposição de aceitar a vacina.

A confiança nos sistemas de saúde é fundamental

Um fator importante é o nível de confiança depositado nas instituições e indivíduos responsáveis pela implementação dos programas de vacinação. Em muitos contextos, as decisões sobre se vacinar ou não eram influenciadas por questões políticas e históricas mais amplas, especialmente em locais onde havia um legado de desconfiança no governo, nas escolas ou nas autoridades de saúde pública.

Além disso, experiências negativas anteriores com serviços ou campanhas de vacinação também podem desempenhar um papel decisivo. Por exemplo, pessoas que já enfrentaram dificuldades para acessar vacinas, por falta de estoque, custos elevados ou falhas de comunicação, podem se sentir desmotivadas ou relutantes em tentar se vacinar novamente.

Ações positivas e direcionadas

Promover a vacinação contra o HPV não é apenas uma questão de educação e conscientização. Estratégias eficazes precisam ser multifacetadas e enfrentar diretamente as barreiras sociais e culturais que moldam as decisões sobre a vacinação. Esses fatores variam conforme o local, o momento e a população-alvo, por isso, compreender e trabalhar os determinantes específicos de cada contexto é fundamental.

Também, é importante ser claro sobre o que se pretende alcançar como uma intervenção ou programa. O objetivo é aumentar a conscientização e a adesão à vacina? Ou desenvolver alfabetização científica para que as pessoas tomem decisões informadas? Metas diferentes podem exigir abordagens distintas, e os resultados desejáveis nem sempre se resumem apenas ao aumento da aceitação da vacina.

Compromisso, empatia e co-criação comunitária

Compreender as preocupações de cuidadores e adolescentes sobre a vacinação contra o HPV e as normas e valores sociais mais amplos que podem estar envolvidos é fundamental. Isso envolve criar espaços em que as pessoas possam expressar suas dúvidas e receios e serem ouvidas de forma genuína e empática, em vez de simplesmente terem suas preocupações descartadas ou imediatamente "corrigidas".

Também é essencial adotar estratégias mais amplas de construção de confiança, com foco no diálogo, nas relações, na transparência, no engajamento comunitário e no compartilhamento de responsabilidades. Entender quais indivíduos ou instituições são percebidos como confiáveis (ou não) - e por quê - pode ser um passo importante. Envolver figuras comunitárias respeitadas no planejamento ou na implementação dos programas pode ajudar a engajar as comunidades e a superar barreiras.

Não existe uma única "bala de prata" para superar a hesitação vacinal. Um bom começo é identificar as questões estruturais e de organização dos serviços que podem estar comprometendo a qualidade e a acessibilidade da vacinação contra o HPV e, a partir disso, pensar em como enfrentá-las. Ao direcionar essas influências mais profundas, formuladores de políticas e profissionais de saúde podem fortalecer a confiança na vacinação contra o HPV de formas mais relevantes, aceitáveis e, em última análise, mais eficazes.

Este artigo foi escrito pelos Drs. Sara Cooper e Ebrahim Samodien, da Cochrane South Africa (CSA), sediada no Conselho de Pesquisa Médica da África do Sul. A CSA faz parte da Cochrane, uma rede global e independente de pesquisadores, profissionais, pacientes, cuidadores e pessoas interessadas em saúde.